É Riviera Maia, com seu mar azul cegante, sítios arqueológicos cenográficos e a cozinha instigante da Península de Yucatán.
Fonte: www.miscoloresysabores.com
Em termos de gastronomia o México é muito, mas
muito mais variado do que costumamos perceber no Brasil, onde nos poucos
lugares em que essa culinária aparece é sob a forma abastardada da cozinha
tex-mex: meio texana, meio mexicana, popular nos Estados Unidos, mas longe de
representar a rica variedade gastronômica do país. Vivi recentemente uma face
desse grande mosaico, numa passagem pela Península de Yucatán, que, no sudeste
do país, separa o Golfo do México do Mar do Caribe.
Meu destino foi uma região bem ao sul de Cancún (que fica ao norte), conhecida
como Riviera Maia. Eu a conheci de camarote, é verdade – hospedado no
recentemente inaugurado resort da rede Mandarin Oriental, cercado de luxo e
conforto, instalado numa arquitetura de primeira (moderna mas bem integrada ao
ambiente) e tendo o Mar do Caribe a meus pés. Nada mal, depois do calvário para
tirar o visto que o consulado do México, subserviente ao governo americano, nos
impõe; e de sobreviver à gananciosa American Airlines.
O hotel faz parte de uma ocupação turística que está a pleno vapor na região.
São vários resorts de luxo instalando-se na área, num trecho de mais de 100
quilômetros. Diferentemente dos arranha-céus de Cancún, aqui há empreendimentos
– como é o caso do Mandarin Oriental – que repousam discretamente na paisagem.
E além de ter o azul quase cegante do mar caribenho pela frente, o turista pode
também visitar belas ruínas e sítios arqueológicos da civilização maia (caso de
Chichén Itzá, uma das novas sete maravilhas do mundo, no interior, em Tulum,
num lindo promontório à beira-mar, e de Cobá, com suas pirâmides e quadras de
pelota, onde se jogava com bolas e com a cabeça dos inimigos).
Pode o visitante, ainda, entregar-se a aventuras como os mergulhos (com snorkel
ou tanque) nos cenotes (os impressionantes poços que levam à superfície dos
rios subterrâneos por onde corre a água doce da região), ou fazer compras na
cidadezinha de Playa del Carmen, uma espécie de shopping center a céu aberto,
na verdade sem grandes atrações além de lojinhas turísticas e grifes
internacionais (mas se pode comer num dos restaurantes locais). Também não fica
longe a Ilha de Cozumel, atração especialmente interessante para quem aprecia
mergulho no mar.
A gastronomia na Península de Yucatán tem os traços nacionais mexicanos e, ao
mesmo tempo, suas especificidades. Um prato típico da região é o pibil: forma
de cozimento de carnes embrulhadas em folha de bananeira e levadas ao forno
(antigamente eram carnes cozidas em covas na terra). São normalmente de frango
(pollo pibil) ou, ainda melhor, mais suculenta e tenra, de carne de porco
(cochinita pibil). Nos dois casos, as carnes são previamente marinadas com
frutas cítricas e temperos.
No Mandarin Oriental, é possível provar as duas em um de seus restaurantes,
dedicado à cozinha mexicana com um toque contemporâneo – o Aguamarina. Ali,
como é hábito em todo o país, as refeições começam com tequila pura acompanhada
de sangrita (suco de tomate bem temperado e apimentado), ou com coquetéis
preparados com a bebida, como o margarita; e guacamole (pasta de abacate com
temperos e pimenta servida sobre triângulos de tortilla frita, os totopos).
Outro restaurante do hotel, o mais sofisticado, é o Ambar – só funciona à
noite, com cozinha mexicana moderna, com fusões asiáticas (exemplos: tartar de
atum com abacate, molho ponzu e alho crocante; perna de cordeiro lentamente
cozida com harumake de vegetais e timbale de quinoa). Para acompanhar, uma boa
carta de vinhos, com vários exemplares mexicanos, alguns bem interessantes (especialmente
da Baixa Califórnia). Outros restaurantes do hotel incluem o ceviche cha cha
cha, à beira-mar (principalmente peixes, em ceviche ou sushi); e dentro do spa,
um restaurante vegetariano – todos os restaurantes são supervisionados pelo
chef Nacho Granda.
Em Playa del Carmen há dezenas de restaurantes, muitos deles com mesinhas na
calçada da rua principal, a Quinta Avenida, permitida somente para pedestres.
Há desde locais de comida típica até redes de fast-food americanas. Um local
agradável, com um pátio interno ao ar livre – recomendado apenas se não estiver
calor demais (caso contrário, é melhor o salão com ar-condicionado) –, é o
Yaxche, que fica na Calle 8, entre a Quinta e a Décima Avenidas (telefone
00xx52 984 873 2502). A casa anuncia servir cozinha maia; na verdade é a
cozinha de Yucatán combinada com o resto do México e do mundo, mas interessante
por alguns pratos, como as tortillas recheadas com feijão e cobertas com peru
desfiado, abacate e cebola; ou a picante versão com camarões marinados em molho
de chile chipotle e axiote; ou, mais picante ainda, o pibxcatic (chile xcatic
assado e recheado com cochinita pibil).
As tortillas de milho, produzidas há séculos com grãos que cozinham em cal e
limão (formando a massa chamada nixtamal, que tira toxinas do grão e libera a
absorção de suas vitaminas pelo corpo), são a base da alimentação. Servidas em
restaurantes ou consumidas em casa, normalmente são compradas prontas e
recheadas com diferentes ingredientes. Se podem ser comidas em qualquer lugar,
as minhas preferidas o foram num precário boteco à beira da estrada 307, que
corre pela península paralela ao mar. Ali, perto da marina de Puerto Aventura,
uma tenda anunciava a Taquería El Arbol 1. Naquele ambiente simples, as
tortillas eram prensadas uma a uma, na nossa frente, depois aquecidas e
entregues para que, das diversas panelas, escolhessemos os recheios.
Já bem servido de deliciosas porções de cochinitas pibil ao longo da viagem,
atirei-me nos itens que achei que seriam mais difíceis de achar naquele último
dia de estada. Foram três tortillas: com moelas de frango; com chicharrón (pele
de porco que, nesse caso, era cozida, macia, e não crocante); e com pé de porco
empanado. Bastante pimenta (e infelizmente nenhuma cerveja, pois ali não a vendem).
Entre o México luxuoso do Mandarin Oriental, e aquele México profundo do pé de
porco à beira da estrada eu... realmente fico com os dois.
(*)Josimar Melo é crítico de gastronomia do jornal Folha
de S. Paulo e autor do guia de restaurantes que leva seu nome.